sábado, 24 de novembro de 2012

* Baseado na 2ª ed. (2008)

A ideia primitiva de vingança, oriunda das épocas remotas, permanece intocável, mesmo diante das recentes teorias progressistas e humanitárias, que advogam uma intervenção estatal punitiva, com limites traçados pelos direitos e garantias fundamentais.

A pena na cultura dos povos primitivos

Atualmente, nas práticas penais, permanece uma demanda mítica de vingança contra quem transgride normas consideradas imprescindíveis à ordem social, não obstante os avanços teóricos e científicos atribuídos às funções das sanções penais, alicerçadas em princípios constitucionais fundamentais e na dignidade da pessoa humana.

Concepção primitiva da punição e a chamada vingança de sangue


O mito traduz uma realidade intrínseca da natureza humana, na qual se insere a vingança, de caráter eminentemente emocional.
Dele originava – se a chamada vingança de sangue, definida por Erich Fromm como “um dever sagrado que recai num membro de determinada família, de um clã ou de uma tribo, que tem de matar um membro de uma unidade correspondente, se um de seus companheiros tiver sido morto”.
(Erich Fromm. Anatomia da destrutividade humana)
Mas, como informa Giorgio Del Vecchio, “no caso de a ofensa ser praticada por membro do mesmo grupo, o mesmo princípio exige a expulsão do ofensor. Este, uma vez expulso do grupo, que é a única forma de tutela jurídica nesta fase, fica destituído de qualquer direito e equiparado a uma fera, ou seja, exposto às ofensas de todos. O desterro primitivo, imposto por meio de fórmulas sacras apresenta – se assim com gravidade extrema e não deve confundir – se com o exílio das épocas posteriores, em que o indivíduo, mesmo banido do grupo, continua a dispor de outros meios de tutela jurídica”.
(Giorgio Del Vecchio. Lições de filosofia do direito)
Com o progresso político dos povos, passou a haver uma limitação cada vez maior da autonomia dos grupos e famílias e, por via de consequência, o afastamento gradativo da vingança privada, como forma de reação punitiva.  Entretanto, como comentado, a transferência da punição para um poder central não teve por fundamento abrandar a vingança em si, mas sim manter certa ordem social e evitar guerras infindáveis entre grupos, que enfraqueciam a própria comunidade.

As punições decorrentes de violações de totens e tabus


Os totens e tabus regiam as comunidade primitivas, com reflexos no sistema punitivo. A não – compreensão dos fenômenos naturais conduzia os  homens primitivos à crença em forças sobrenaturais.
Consoante Freud, totem “via de regra é um animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva e a água), que mantém relação peculiar com todo o clã. Em primeiro lugar, o totem é o passado comum do clã; ao mesmo tempo, é o seu espírito guardião e auxiliar, que lhe envia oráculos e, embora perigoso para os outros, reconhece e poupa seus filhos. Em compensação, os integrantes estão na obrigação sagrada (sujeita a sanções automáticas) de não matar nem destruir seu totem e evitar comer sua carne (ou tirar proveito dele de outras maneiras)”.
(Sigmund Freud. Totem e tabu)
A violação aos princípios totêmicos implicava punição para os transgressores.
O tabu, por sua vez, considerado o código não escrito mais antigo do homem, constituía proibição convencional, decorrente de uma tradição, com caráter sagrado, sem explicação ou origem precisa, destituída de motivo e misteriosa na origem, que passava a integrar princípios da comunidade e era transmitida de geração para geração. O tabu refere – se não somente ao caráter sagrado (ou impuro) de coisas ou pessoas, mas também à espécie de proibição resultante desse caráter.
A violação do tabu transformava o transgressor em tabu, tornando – o perigoso e impuro, e o contágio deveria ser evitado por atos de expiação e purificação, por meio de cerimônias purificadoras.

A concepção da pena na Antiguidade

As antigas civilizações orientais eram regidas pelo chamado “estado teológico”.  Por isso, a pena, via de regra, encontrava sua justificativa em fundamentos religiosos e tinha por finalidade satisfazer a divindade ofendida pelo crime. Com a influência da religião no desenvolvimento da civilização, a aplicação das penas passou a ser regulada pelos sacerdotes.
No Egito Antigo, a prática de vários crimes era punida com a morte, embora houvesse notícia na Antiguidade que o faraó Sabacon (Shabak) havia abolido a pena de morte, fundando uma colônia penitenciária chamada de Cidade dos Malfeitores.
O direito hindu prescrevia três espécies de sanção: purificação, expiação e pena propriamente dita. Nesta última categoria incluíam – se, em sua maioria, as penas corporais, embora as pecuniárias também fossem aplicadas. O caráter religioso nas sanções penais era bem marcante na pena de morte, infligida aos autores de crimes mais graves. Refletia uma espécie de penitência espontânea, aceita pelo culpado, como forma de purificação.
Entre os hebreus, o direito igualmente se confundia com a religião. Na própria Bíblia observa – se uma evolução das práticas penais, desde a primitiva vingança até formas mais apuradas, que serviriam de base para legislações futuras.
A vingança de sangue (pelo parente mais próximo da vítima), por sua vez, já aparece regulamentada e controlada pela sociedade hebraica.
Verifica – se, assim, um avanço na legislação hebraica, distinguindo o homicídio doloso do culposo, quanto ao tratamento penal. Embora fosse essa legislação muito arcaica, já demonstrava preocupação com o aspecto subjetivo do crime, em uma época em que praticamente predominava a responsabilidade de cunho objetivo.
Grécia. Platão (427 – 347 a. C) propunha que se imunizasse definitivamente a sociedade contra delinquentes não passiveis de correções externas. Por isso, os incorrigíveis deveriam ser afastados da sociedade ou submetidos à pena de morte. Para o filósofo, a pena, quando merecida por quem a recebe, tem por objetivo torná-lo melhor ou servir de exemplo para os outros.
Para Aristóteles (384-322 a.C) a pena seria um meio apto para atingir o fim moral pretendido pela convivência social. Por acreditar no poder de intimidação das sanções, sustentava que o delinquente que foge da dor deve ser castigado, já que as pessoas, em sua maioria, só se abstém da prática de más ações por temerem a punição.   Ademais, a pena tinha por objetivo restabelecera igualdade entre os indivíduos, violada pelo ato delituoso, dentro de uma proporção aritmética, entre o justo e o injusto.  A justiça penal se consubstancia no meio – termo entre o ganho auferido pelo agente e a perda suportada pela vítima. A perda suportada pelo ofendido deve ser correspondente à reparação por parte do culpado, como forma de reconduzir as coisas ao seu estado primitivo. O equilíbrio da justiça, rompido pelo crime, deve ser restabelecido pela punição proporcional ao dano causado pelo agente.
No Direito Romano, diversas foram as finalidades atribuídas à pena: castigo, emenda, satisfação à vítima e prevenção geral, pela intimidação. Sêneca, entretanto, embora lembrasse que a pena servia para emendar, sublinhava a necessidade da punição, para a segurança social. Já os jurisconsultos clássicos, como Marcianus, Ulpianus e Saturninus, viam na pena o exemplo, demonstrando sua finalidade de prevenção geral. Essa finalidade atribuída à pena, como defesa da ordem social, predominou na legislação imperial.

A concepção medieval da pena

No início da Idade Média, com a queda do Império Romano, o Ocidente sofreu, no campo do Direito Penal, as influências dos “ordálios ou juízos de Deus”, trazidos pelos povos germanos. Tais práticas eram marcadas pelas superstições e pela crueldade, sem chances de defesa para os acusados, que deveriam caminhar sobre o fogo ou mergulhar em água fervente para provar sua inocência. Por isso, raramente escapavam das punições.  Não obstante a tentativa da doutrina cristã de humanizar as penas, tais práticas perduraram por vários séculos.
Não se pode, contudo, deixar de mencionar a praticar da composição pecuniária, trazida pelos germanos, que substituía, com melhores resultados a vingança privada, evitando a mortandade entre os grupos ou famílias em conflito.
A reconstrução dos valores humanos pregadas pelo cristianismo influenciou diretamente as práticas penais. O homem passou a ser visto como imagem e semelhança de um deus único. O politeísmo chegava ao seu final. Com a proclamação da autonomia da vida espiritual pelo evangelho, a pessoa humana foi elevada acima da tirania estatal.
Para o homem medieval, não só o poder, mas todas as coisas eram derivadas de Deus. O direito de punir, como consequência, não fugiu à regra geral dessa espécie de delegação divina. Por esse motivo, a pena consistia em uma espécie de represália pela violação divina e objetivava a expiação como forma de salvação da alma para a vida eterna.
Sob essa ótica, a heresia era considerada um dos crimes mais graves, passível de penas mais severas, e a fé religiosa constituía interesse do próprio Estado, que passou a utilizar a Inquisição, surgida no século XIII, para fins políticos, como ocorreu na condenação de Joana D’Arc, em 4131. Assim, a religião e o poder secular estavam intimamente ligados e qualquer ato de heresia constituía infração ao próprio Estado.

A concepção da pena na época moderna

Utopias do Renascimento


Entre os autores renascentistas, destaca – se, inicialmente, Maquiavel (1469 – 1527) e sua obra O príncipe. Em seu capítulo XVII, ao tratar “Da crueldade e da piedade”, vê – se claramente sua concepção do Direito, base do absolutismo que iria futuramente instalar – se na Europa Ocidental, ao assinalar que um príncipe deve “não se preocupar com a fama de cruel se deseja manter seus súditos unidos e obedientes. Dando os pouquíssimos exemplos necessários, será mais piedoso do que aqueles que, por excessiva piedade, deixam evoluir as desordens, das quais resultam assassínios e rapinas; porque estes costumam prejudicar uma coletividade inteira, enquanto as execuções ordenadas pelo príncipe ofendem apenas um particular”.
Assim, Maquiavel justificava os castigos como forma de intimidação, para a segurança da sociedade e garantia do poder do soberano, concepção própria do absolutismo, que não visava a outra finalidade da pena, a não ser a de incutir temor em nome da salvaguarda da monarquia absoluta.
Thomas Hobbes (1588-1679), por seu turno, em sua obra Leviatã, sustenta a origem contratual do direito de impor sanções penais. Com uma visão pessimista, entende que a natureza humana conduz os indivíduos necessariamente ao egoísmo, pela busca incessante do poder que só termina com a morte. Pela lei natural, os homens são conduzidos a uma violência generalizada na busca desse poder, que precisa ser contida.
A pena, contudo deveria limitar – se ao quantum de reprovabilidade previsto na legislação, sob pena de equipara – se à vingança. De fato, de acordo com Hobbes, se depois de cometido o crime fosse aplicada pena mais grave e desproporcional, o excesso não poderia ser considerado como integrante da pena, mas sim ato de hostilidade.
Outro autor de destaque é Thomas More (1478-1535) e sua obra Utopia. Antecipando – se aos substitutivos penais da atualidade, propunha que os ladrões prestassem serviços à comunidade, desde que não praticassem crime mediante violência. Como os condenados iriam prestar serviços à República, teriam de ser bem alimentados e todos os anos seriam libertados por bom comportamento como estímulo à recuperação.

 O absolutismo

Na visão de Jacques Bossuet (1627-1704), um dos maiores teóricos do absolutismo, a monarquia constitui forma original de governo, mais durável e mais forte. A autoridade real é sagrada, uma vez que os príncipes são ministros de Deus, o verdadeiro rei, cujo império é eterno, exercido desde a criação. Por isso, quem resiste ao poder do príncipe vai de encontro à ordem de Deus, motivo pelo qual deve ser punido com a morte.
Nas mãos dos monarcas absolutos, o suplício infligido aos criminosos não tinha por finalidade restabelecer a justiça, mas reafirmar o poder do soberano. A pena, sem qualquer proporção com o crime cometido, não possuía nenhum conteúdo jurídico nem qualquer objetivo de emenda do condenado. Sua aplicação tinha utilitária de intimidar a população por meio do castigo e do sofrimento infligido ao culpado.
Os suplícios integravam o próprio cerimonial da justiça penal daquela época. Por isso, como relata Michel Foucault em Vigiar e Punir, prolongavam – se ainda após a morte. Os cadáveres eram queimados e as cinzas jogadas ao vento. Os corpos dos condenados eram arrastados e depois expostos à beira das estradas.
No Brasil, a execução do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é exemplo dessa perseguição post mortem em nome da vingança pública. Ele e os demais acusados da Inconfidência Mineira foram condenados à morte pelo crime de lesa majestade; no entanto somente Tiradentes foi executado. pelo acórdão de 19 de abril de 1792, que proferiu a condenação, Tiradentes, após ser enforcado, teria sua cabeça cortada e levada a Vila Rica, onde seria pregada em um poste alto, para ser consumida pelo tempo. Seu corpo seria dividido em quatro quartos e pregados em partes pelo caminho de Minas Gerais.

Fundamentos da pena na época contemporânea

O período humanitário e a Escola Clássica


A reação aos atos de punição crudelíssimos e arbitrários, por meio de suplícios, em nome do absolutismo, surgiu com a própria evolução da humanidade, principalmente com a filosofia do século XVIII. A ilustração desse século influenciou diretamente a Revolução Francesa e, com ela, a consagração dos princípios contidos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Tais princípios, de caráter universal, transformaram – se em dogmas constitucionais de garantias contra o absolutismo e arbítrio.
Pietro Verri, companheiro de Beccaria, também iria insurgir – se contra a tortura, em sua obra Observação sobre a tortura, escrita entre 1770 e 1777. Para ele, mesmo que a tortura fosse apta à descoberta da verdade, seria injusta. Explica que homens fortes e determinados sofrem os tormentos sem nada falar. Em outras situações, o torturado confessa a culpa pelo crime, mesmo inocente, em razão do tormento infligido.
Posteriormente, nem mesmo com a Revolução Francesa, alicerçada nos direitos naturais do indivíduo, a pena de morte foi afastada. A permanência da pena de morte na França ocorreu porque os revolucionários houveram por bem suspender a justiça almejada para formar o direito da revolução em nome da soberania apta a justificar a medida de exceção.
Outro autor de destaque, na segunda metade do século XVIII, foi Jean Paul Marat, seguidor de Rousseau, que participara diretamente da Revolução Francesa. No prólogo da publicação de sua obra Plain de Législation Criminelle, de 1790, demonstrou ser partidário da prevenção geral negativa, alicerçada na intimidação, ao sustentar a necessidade de substituir os costumes pelo temor ao castigo, para manutenção da ordem social, quando corrompidos. Preocupado com as causas dos crimes, constata que estes são quase sempre cometidos por pessoas desprovidas de educação, motivo pelo qual propunha escolas gratuitas para instruir os pobres. No entender de Marat, a existência de grandes desigualdades sociais implicava um rompimento do contrato social, porquanto os homens haviam – se reunidos em sociedade para obter vantagens da união e não para sofrer consequências negativas, pois a finalidade da sociedade é a felicidade dos seus componentes. Segundo Marat, se a sociedade não garante a subsistência ao pobre, não pode sancioná-lo, uma vez que o pobre retorna ao estado de natureza, no qual não existem obstáculos para que o homem busque o necessário para sua sobrevivência.
São também importantes os anseios de Marat por uma justiça imparcial, sem distinção de classes sociais, que estabeleça penas semelhantes a todo o delinquente pela prática de determinado crime, embora haja circunstancias que possam agravar ou atenuar o crime cometido.
Outro contemporâneo de Beccaria, Manuel de Lardizabal y Uribe (1739-1821), sustentou em seu livro Discurso sobre las Penas, antecipando – se ao correcionalismo, que as sanções tinham caráter utilitário de emenda do delinquente e de prevenção geral, por meio da intimidação, pois seria cruel e tirano aplicá-las por vingança ou com mero escopo de “atormentar” os homens. Para ele, a vingança só teria sentido se revestida de alguma utilidade. De fato, segundo o autor, não é possível desfazer um delito já cometido, nem as dores e os tormentos mais atrozes impostos ao condenado seriam capazes de revogar as ações já consumadas. As leis, porquanto livres de paixão, devem castigar sem ódio ou cólera. Nesse ponto, reforça o pensamento de Beccaria, no sentido do afastamento dos suplícios. Além disso, na visão de Lardizabal y Uribe, a sanção penal não pode ser tão grave, a ponto de ultrapassar a necessidade de correção do delinquente ou de prevenção geral pela intimidação.
Sua doutrina, contudo, não se limitou ao caráter retributivo e intimidativo da sanção penal. Advertiu ter a experiência demonstrado que a maior parte dos condenados saía dos presídios com mais vícios. Daí a necessidade de serem criadas casas de correção, para tornar os egressos mais uteis e proveitosos à sociedade.
Em relação à pena de morte, Lardizabal y Uribe manifestou – se favorável a mantê-la, por entender que sua abolição abriria as portas para delitos mais atrozes, que não poderiam ser expiados senão com a morte do agente.
Jeremy Bentham (1748-1832), por seu turno, considerado grande expoente do princípio utilitário das penas, concluiu que estas constituem um mal contra os que praticam atos proibidos pela lei, com a finalidade de prevenir infrações futuras. Entretanto, a eficácia dessa prevenção estaria incompleta sem a investigação das causas da criminalidade.
A justificativa das penas, por sua vez, está contida na utilidade de tornar inócuo o delinquente, considerado inimigo público.
Ainda no seu entender, o Estado deve lucrar com a imposição dos castigos. E esse lucro consubstancia – se na utilidade geral da prevenção de novos crimes. Por isso, propõe, como justificativa econômica, a proporcionalidade da pena, mantida nos limites de sua necessidade, para não se tornar dispendiosa. Dentro dessa proporcionalidade, devem ser aferidas não só as circunstâncias objetivas de cada infração, como também as que influem na sensibilidade dos indivíduos. Assim, na questão relativa às sanções penais, as circunstâncias de caráter subjetivo pouco a pouco ganhavam terreno.
Bentham aponta qualidades vantajosas no tocante à aplicação da pena de morte, destacando – se, em primeiro lugar, a de tirar do criminoso o poder de fazer o mal. Em segundo lugar, menciona a analogia em sua aplicação, qualidade exclusiva em relação ao crime de homicídio. Em terceiro lugar, sustenta ser a pena capital popular e exemplar, para efeito de prevenção geral. Por último, enfatiza que o padecimento sofrido pelo delinquente é menor do que a maior parte das penas aflitivas.
O autor indica, no entanto, faltar à pena de morte a possibilidade de ser convertida em proveito para a parte lesada. Constitui, ainda, uma perda, porquanto diminui o número de homens. Além disso, é desprovida de igualdade, o que a torna incerta para a prevenção geral. Para alguns homens não constituirá nenhuma ameaça, pois embora a morte represente a ausência de todos os bens, é o fim de todos os males. Por último, a pena de morte não pode ser reparada diante de um erro judiciário.
Posteriormente, a ideia da pena como defesa da sociedade viria a ser enfatizada na obra de Giandomenico Romagnosi (1761-1835). Diversamente de outros clássicos, não postulou uma defesa voltada para o passado, pois o fato e o prejuízo já haviam ocorrido. Por isso, no seu entendimento, o Direito Penal teria de surgir da relação da sociedade com o futuro. A vingança não poderia consubstanciar o fim das penas, porquanto seriam estas tão injustas quanto o delito praticado.
Considerou, ainda, a impunidade como fator ameaçador do corpo social, embora fosse uma causa posterior ao crime cometido. Para ele, a pena deve seguir o delito, como meio necessário utilizado pela sociedade e como seu direito, voltado para sua própria conservação. Esse o fundamento do Direito Penal.
Todavia, essa necessidade de imposição de pena, conforme concluiu, não teria o papel de restabelecer o desequilíbrio causado pelo crime, mas sim o de exercer a prevenção geral pela intimidação. Por esse motivo, a sociedade tem o direito de empregar os meios necessários para infundir esse temor.
A doutrina de Romagnosi iria encontrar grande oposição em Immanuel Kant (1704-1804), o grande expoente das teorias absolutas ou retributivas da pena, representadas pelo quia peccatum est, nas quais ela encontra justificação na justa retribuição, como imperativo categórico de justiça, e não na prevenção geral ou especial. Essas teorias acarretariam grande impacto no século XIX, no qual predominavam as teorias relativas da pena, baseadas na prevenção geral ou especial, ou na emenda do condenado.
O crime, na visão kantiana, configura transgressão ao direito de cidadania, cuja pena a ele deve corresponder, medida por uma espécie de talião jurídico.
A justiça do Direito Penal, segundo Kant, estaria justamente na falta de objetivo utilitário, sem fins políticos, na imposição das sanções. Somente a partir de um direito penal não – utilitário, poder- se – ia chegar a uma justificação de um direito penal retributivo que se diferenciasse da vingança, de um poder brutal e de uma retribuição irracional. Dessa ótica, o direito tornar – se – ia justo e puro, apto a garantir a dignidade e a liberdade do homem. A pena, por sua vez, constitui uma exigência de justiça absoluta, com o objetivo de restaurar a ordem social violada pela transgressão.
Para Kant, o homicídio deve ser punido com a morte. Diante do homicídio não há nenhuma comutação apta a satisfazer a satisfazer a justiça, por ausência de qualquer correspondência entre uma vida pela de trabalho e a morte. Por isso, só a pena de morte pode ser equiparada a esse crime, para efeito de justiça penal.
A teoria absoluta, preconizada por Kant, viria a ser retomada por Hegel (1770 – 1831), no sentido da justiça da pena em sua própria aplicação. O crime, considerado como violação de um direito, deve ser suprimido por meio da pena, possibilitando, dessa forma, a restauração do direito. Assim, é o crime é a negação do Direito, enquanto a pena como negação do crime, reafirma o Direito. De fato, definir o Direito como algo a ser seguido e respeito implica, por via de consequência, a possiblidade de ele ser violado. A pena é, assim, a negação da negação caracterizada pelo crime, com o objetivo de reafirmar o Direito e atualizar a justiça. Quando a pena é aplicada, a realidade do Direito reconcilia - se  com ela mesma.
Para Hegel, a ameaça contida na pena constitui coação contrária à liberdade do homem, como ser racional, afastando por isso a ideia de justiça. Nada impede, contudo, que a pena exerça, de forma secundária, o objetivo de prevenção geral, sem que isso influencie sua finalidade primordial de atualizar a justiça e reafirmar o Direito.
No pensamento de Hegel, a modalidade da pena a ser imposta não é essencial, uma vez que a punição, independentemente de sua forma, cumpre a missão de restabelecer a justiça, como expressão da vontade universal. A pena é resultante dessa vontade universal, extraída da experiência psicológica, segundo a qual o sentimento geral dos povos e dos indivíduos é o de que o criminoso deve ser punido em razão do delito cometido.
Hegel, assim como Kant, manifestou – se partidário da pena de morte, contrariando a tese abolicionista de Beccaria, baseada no contrato social. Para ele, o Estado não é um contrato e não tem por essência a proteção e a segurança de indivíduos isolados, mas a realidade acima desses indivíduos, podendo inclusive reivindicar suas vidas. Por uma vontade de justiça, diante de um crime cometido, pode o Estado, como realidade superior, sacrificar a vida do individuo, dependendo da natureza do ato criminoso por ele praticado.
Na sequencia, na segunda metade do século XIX, os princípios da Escola Clássica foram consolidados por Francesco Carrara (1805 – 1888), em seu Programa, publicado em 1859. Assim como Beccaria, Carrara manifestou – se contrário às penas capitais e os martírios infligidos ao delinquente. Para ele, mesmo com a prática do crime, não perde o infrator os direitos inerentes à condição.
Partidário do livre – arbítrio, critica o determinismo pregado pelos médicos de sua época e pelo positivismo criminológico. A punição só se justifica quando o ato criminoso é oriundo da vontade livre, alicerce da imputabilidade moral. O homem só pode ser responsável no âmbito criminal em virtude de sua imputabilidade moral, que implica liberdade de ação.
Não menciona o autor nenhuma reeducativa na pena, embora proponha sua proporcionalidade com o delito praticado. Ela não deve exceder as necessidades da tutela jurídica, com base na apuração do fato concreto, nem ser inferior a tal necessidade. O excesso na retribuição caracterizaria violação no direito, prepotência e tirania. Já a deficiência configuraria traição ao dever da autoridade de impor sanções. Desse ponto de vista, a quantidade da pena prevista pelo legislador deve ser medida por critérios jurídicos, baseados na proporcionalidade dos danos causados pelo crime, ou no perigo ao bem jurídico tutelado pela norma.
A pena, para Carrara, é consequência do desejo de reação ante a violação do direito. Não se destina a promover a emenda do condenado, mas a desempenhar o seu papel de tutela jurídica. O autor critica a doutrina do correcionalismo, que se arrisca a sacrificar a segurança dos bons à esperada vantagem de corrigir os culpados. Para ele a tutela do individuo não pode sobrepor – se à tutela social.
Para Carrara, o fim da pena não é que se faça justiça, nem que seja vingado o ofendido, nem que seja reparado o dano sofrido, ou que se amedrontem os cidadãos. Tudo isso são consequências acessórias, uma vez que a finalidade primordial da imposição das sanções penais é restabelecer a ordem externa social. Isso porque o mal causado pela ofensa material do delito deve ser reparado com a imposição de uma pena. No seu entendimento, além das vítimas determinadas, o delito ofende todos os cidadãos, diante à infração das leis estabelecidas pela sociedade, diminuindo assim, a segurança e criando o perigo do mau exemplo.
O período humanitário da Escola Clássica concorreu, ainda, para o surgimento dos primeiros abolicionistas da pena capital, após a publicação do livro de Beccaria. O movimento de abolição da pena de morte, iniciado pelo filósofo, contribuiu para o afastamento dessa pena na grande maioria das legislações contemporâneas.
Com a nova corrente filosófica, a pena passou a ser aplicada de modo proporcional ao dano causado pelo crime e à necessidade de sua imposição, seja pela reprovabilidade da conduta, seja para a prevenção das infrações futuras, ou, ainda, para a segurança e a tranquilidade social. E a justiça da pena estaria consubstanciada nessa proporcionalidade. Alem disso, a sanção, por mais grave que fosse, não poderia ultrapassar a pessoa do criminoso. O princípio da personalidade da pena tornou – se imperativo constitucional.

A escola positiva


A nova corrente, de forma clássica, busca na observação e na experiência científica os instrumento capazes de resolver a problemática criminal. Por isso, suas doutrinas acerca dos aspectos fundamentais do sistema punitivo, amparadas no cientificismo, são de grande importância no Direito Penal da atualidade.
O novo movimento teve início com a publicação de L’Uomo Delinquente (1876), de Cesare Lombroso (1836-1909). Partidário do determinismo, elaborou a tese de que o delinquente é um espécie do gênero humano que comete necessariamente crimes,  em razão de seus caracteres antropológicos,  explicados pelo atavismo. O delito seria um retorno atávico a formas primitivas da humanidade.
Na concepção de Lombroso, reaparecem no delinquente sentimentos religiosos e associações criminosas, próprios dos selvagens primitivos, que não passaram pelo processo de civilização. Fadado a cometer a crimes, o delinquente  não consegue manter – se dentro dos parâmetros de comportamento prescritos pelo ordenamento jurídico penal. O delito, por via de consequência, surge como fenômeno natural ou “necessário”, fora do alcance da vontade do agente, a exemplo do que ocorre com o nascimento, a morte, a concepção e as doenças mentais.
Diante da ausência de livre – arbítrio por parte do transgressor, o castigo a ele imposto torna – se ineficaz, uma vez que obedece a leis “mudas”, provindas da herança primitiva, cuja vigência perdura ao longo dos séculos, regendo a sociedade com mais autoridade do que as normas codificadas. Por isso, Lombroso não acredita nos sistemas de penalidade que tomam como ponto de partida o arrependimento do culpado. Tal como o homem primitivo, desprovido de qualquer remorso, o delinquente envaidece – se de suas façanhas criminosas e encontra na violência o sentido de justiça.
A reunião dos estudos de Lombroso sobre a antropologia e a psicologia do comportamento criminoso abriria caminho para a reformulação positivista acerca do sistema punitivo. A tese do determinismo, por ele preconizada, faz com que a ideia de castigo perca sua eficácia, cedendo lugar às propostas de medidas de defesa social sugeridas por seus sucessores. Além disso, sua obra, concentrada no estudo do homem delinquente, motivou o surgimento da criminologia e das ciências a ela relacionadas, como a psicologia, a biologia e a sociologia. O Direito Penal, a partir de então, passaria a ser estudado em conjunto com outras áreas do conhecimento humano.
Já no campo da sociologia, a figura principal da Escola Positivista foi, sem dúvida, Enrico Ferri (1856-1929), destacando – se, entre seus livros, as obras La Sociologia Criminale e Principii di Diritto Criminale.
Também voltado para o estudo do homem delinquente, Ferri contesta o livre – arbítrio nos criminosos e os classifica em cinco categorias: natos, loucos, habituais, de ocasião e por paixão. De acordo com seu magistério, para uma dessas categorias deve incidir uma espécie de reação (pena), direcionada segundo a forma individual de periculosidade.

O correcionalismo


Mesmo antes do surgimento do positivismo criminológico, o alemão Carlos David Augusto Röder, em 1839, havia postulado a pena com finalidade de corrigir a injusta e perversa vontade do criminoso. Talvez tivesse sido um dos primeiros a defender a sanção penal com duração indeterminada, condicionada à emenda do condenado. Segundo o doutrinador alemão, por meio da pena, busca – se, de forma racional e necessária, organizar a vontade do delinquente, injustamente determinada, para que essa vontade possa ordenar – se por si mesma.
Para ele, a teoria correcional dirige – se ao homem real e efetivo e não ao homem geral e abstrato, como as demais teorias penais. A pena correcional constitui um remédio no âmbito psíquico do criminoso, restabelecendo o vigor da legislação e garantindo a saúde social. Não considera lícito ao juiz, ou mesmo ao legislador, estabelecer um suplício ao condenado, porquanto seria um ato de perversidade.
Quanto à execução penal, deve nela existir duplo interesse na busca da justiça: o do condenado, de corrigir – se, e o da sociedade, de que se corrija. Assim, a pena transforma – se em um bem para o condenado e para a própria comunidade social.

Novos movimentos de defesa social


Entre as duas guerras mundiais, foram interrompidos os trabalhos da União Internacional de Direito Penal. Durante esse período, o Direito Penal distanciou – se da corrente humanitária e tornou – se extremamente repressivo. Predominou, então, o tecnicismo jurídico, segundo o qual o Direito Penal deve desvincular – se de qualquer indagação de política criminal ou de cunho filosófico, o que ocasionou um retrocesso em face do positivismo crítico. Sem o auxílio axiológico e sem a contribuição de outras áreas do conhecimento humano, o Direito Penal permanece estático, restrito aos princípios estabelecidos no ordenamento positivo.
A influência do tecnicismo jurídico fez – se sentir em várias legislações da primeira metade desse século, como no Código Italiano de 1930 e na Constituição brasileira de 1937, a qual chegou a prever a aplicação de pena de morte para o “homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade” (art.122, n 13, letra j). Contudo, no Brasil, a pena de morte não chegou a integrar as sanções do Código Penal de 1940, graças ao sentimento humanitário dos legisladores, que desprezaram o mandamento constitucional.
Após a Segunda Guerra Mundial, em reação aos crimes contra a humanidade nela cometidos, ocorreu um movimento de retorno às concepções humanitárias, que contribuiu para a atualização da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e para o respeito à dignidade da pessoa humana. Em decorrência desse movimento, foi elaborada em 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujos princípios liberais tiveram grande reflexo no Direito Penal, na segunda, metade do século XX, destacando – se a abolição da penal capital em vários países, entre eles a República Federal da Alemanha, a Itália e a França.
Os movimentos humanitários pós – guerra trouxeram para o Direito Penal uma nova doutrina de defesa social, outrora com sentido de defesa da sociedade contra indivíduos perigosos, que deveriam ser segregados por período indeterminado, segundo o positivismo criminológico, ou de proteção implacável da sociedade ou do povo, em detrimento do indivíduo, como ocorreu no Direito Penal nacional – socialista, na primeira metade do século XX.

As teorias da prevenção geral positiva


As teorias preventivas dividem – se em especiais e gerais. As primeiras dirigem – se exclusivamente ao delinquente, com o objetivo de que este não torne a transgredir, seja pela sua reeducação ou socialização, seja pela sua segregação do meio social. As segundas dirigem – se à coletividade de modo geral, com o intuito de impedir a ocorrência de crimes futuros, seja pela intimidação, seja pela reafirmação do direito perante a comunidade.
Dessas teorias, surge a denominada teoria mista ou unificadora, com o objetivo de conciliar as finalidades retributivas e preventivas da pena, diante da insuficiência de que cada um possa surtir efeitos isoladamente. Nessa linha de raciocínio, o caráter retributivo da pena, por exemplo, mão afasta a necessidade de segregação do delinquente nem sua possível socialização. Além disso, permanece na pena sua função preventiva, pela intimidação dirigida à coletividade.

As teorias socializadoras


Para a teoria socializadora, a reintegração do condenado à comunidade pode ser alcançada por meio de um programa mínimo, ou de um programa máximo. O primeiro contenta – se com o prognóstico de que o delinquente não tornará a praticar crimes, ou seja, de que guardará efetivo respeito às leis vigentes. Já o segundo, além de postular as finalidades visadas no programa mínimo, objetiva uma verdadeira transformação do indivíduo, mediante uma terapia com influência na personalidade do infrator, que o leve a atingir socialização. 

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