sábado, 15 de dezembro de 2012

Primeira publicação: 1999

Título original: The Law of peoples














O direito dos povos como utopia realista


Condições do caso interno


Há duas condições necessárias para que uma concepção liberal de justiça seja realista. A primeira é que deve valer – se de leis efetivas da natureza e alcançar o tipo de estabilidade que essas leis permitem, isto é, a estabilidade pelas razões certas. Ela toma as pessoas tais como são (pelas leis da natureza) e as leis constitucionais e civis tal como poderiam ser, isto é, como seriam em uma sociedade democrática razoavelmente justa e bem ordenada.
A segunda condição é que os primeiros princípios e preceitos sejam funcionais e aplicáveis a arranjos políticos e sociais em andamento.
Uma condição necessária para que uma concepção política de justiça seja utópica é que ela use ideias, princípios e conceitos (morais) para especificar uma sociedade razoável e justa. Há uma família de concepções liberais razoáveis de justiça, cada uma das quais tem os seguintes três princípios característicos:
  1.  O primeiro enumera os direitos e liberdades básicas a partir de um regime constitucional;
  2. O segundo atribui a esses direitos, liberdades e oportunidades uma prioridade especial, especialmente no que diz respeito às exigências dos valores do bem geral e do perfeccionismo;
  3.  O terceiro assegura a todos os cidadãos os bens primários necessários para capacitá-los a fazer uso inteligente e eficaz das suas liberdades.

Os princípios dessas concepções de justiça também devem satisfazer o critério da reciprocidade.
Outra condição para uma utopia realista exige que a categoria do político contenha em si todos os elementos essenciais para uma concepção política da justiça.

Condições paralelas da sociedade dos povos


A sociedade razoavelmente justa dos povos bem ordenados é realista da mesma maneira que uma sociedade interna liberal ou decente.
O direito dos povos também é realista de uma segunda maneira: ele é funcional e pode ser aplicado a relações entre povos e a arranjos políticos cooperativos em andamento.
Um direito dos povos razoavelmente justo é utópico no sentido de que usa ideias, princípios e conceitos (morais) políticos para especificar os arranjos políticos e sociais razoavelmente certos e justos para a sociedade dos povos.
Outra condição requer que todos os elementos essenciais para uma concepção política de justiça estejam contidos na categoria do político.
A unidade de uma sociedade dos povos razoável não exige uma unidade religiosa.
O argumento a favor da tolerância, derivado da ideia do razoável, é igualmente válido na sociedade dos povos mais ampla.

Por que povos e não Estados?


Características básicas dos povos


Os povos liberais têm três características básicas: um governo constitucional razoavelmente justo, que serve os seus interesses fundamentais; cidadãos unidos por “afinidades comuns”; e, finalmente, uma natureza moral.
Ao dizer que um povo tem um governo democrático constitucional razoavelmente justo (embora não necessariamente justo por completo), quer se dizer que o governo está eficazmente sob seu controle político e eleitoral, que responde pelos seus interesses fundamentais e que os protege como especificado em uma constituição escrita ou não.

Duas posições originais


A segunda posição original como modelo


Os representantes do povo são (1) razoável e justamente situados como livres e iguais e os povos são modelados como racionais. Também os seus representantes estão (3) deliberando a respeito do tema correto, neste caso o conteúdo do direito dos povos. Além disso, (4) suas deliberações prosseguem em termos das razões certas. Finalmente, a seleção de princípios para o direito dos povos baseia – se (5) nos interesses fundamentais de um povo, dados, nesse caso, por uma concepção liberal de justiça (primeira posição original).

Interesses fundamentais dos povos


O que distingue povos e Estados é que os povos justos estão plenamente preparados para conceder justamente o mesmo respeito e o mesmo reconhecimento adequados a outros povos, como iguais. Sua igualdade, porém, não significa que não se aceitem desigualdades de certos tipos em várias instituições cooperativas entre os povos, tais como as Nações Unidas, idealmente concebidas. Esse reconhecimento de desigualdades é, antes, paralelo à aceitação, pelos cidadãos, das desigualdades funcionais sociais e econômicas na sua sociedade liberal.

Os princípios do direito dos povos


Comentários e qualificações


O principal é que povos bem – ordenados livres e independentes estão prontos a reconhecer certos princípios básicos de justiça política como governando a sua conduta. Esses princípios constituem a carta básica do Direito dos Povos.

A paz democrática e sua estabilidade


Dois tipos de estabilidade


Os povos (em oposição aos Estados) têm uma natureza moral e definida. Essa natureza inclui orgulho e senso de honra adequados; eles podem ter orgulho da sua história e das suas conquistas, como permite um patriotismo adequado. Contudo, o devido respeito que pedem é um devido respeito compatível com a igualdade de todos os povos. Os povos devem ter interesses – do contrário seriam inertes ou passivos, ou poderiam ser levados por paixões e impulsos não razoáveis  e às vezes cegos. Os interesses que movem os povos são interesses razoáveis guiados por, e congruentes com, uma igualdade justa e um devido respeito por todos os povos. São esses que tornam possível a paz democrática.
A estabilidade pelas razões certas descreve uma situação na qual, no decorrer do tempo, os cidadãos adquirem um senso de justiça que os inclina a não apenas aceitar, mas agir de acordo com os princípios de justiça.

Ideia mais precisa de paz democrática


Exigências importantes para alcançar a estabilidade pelos motivos corretos:
  1. Certa igualdade imparcial de oportunidade, especialmente na educação;
  2. Uma distribuição de riqueza e renda que satisfaça a terceira condição do liberalismo: devem ser garantidos a todos os cidadãos os meios para todos os propósitos, necessários para que tirem vantagem inteligente e eficaz das suas liberdades básicas;
  3.  A sociedade como empregador de última instância por meio do governo geral ou local ou de outras políticas sociais e econômicas;
  4. Assistência médica básica assegurada para todos os cidadãos;
  5. Financiamento público das eleições e maneiras de assegurar a disponibilidade de informações pública em questões de política.


Tolerância de povos não – liberais


Significado de tolerância


Tolerar significa reconhecer essas sociedades não – liberais como membros participantes iguais, de boa reputação, na sociedade dos povos, com certos direitos e obrigações, inclusive o dever de civilidade, exigindo que ofereçam a outros povos razões para o seu atos adequados à sociedade dos povos.
As sociedades liberais devem cooperar e dar assistência a todos os povos com boa reputação. Se se exigisse que todas as sociedades fossem liberais, então a ideia de liberalismo político deixaria de expressar a devida tolerância por maneiras aceitáveis.

Extensão aos povos decentes


Observações processuais


Há cinco tipos de sociedades nacionais: a primeira delas são os povos liberais e a segunda são os povos decentes. A estrutura básica de um tipo de povo decente tem uma “hierarquia de consulta decente”, e por isso são chamados de “povos hierárquicos decentes”; o outro tipo de povo decente é simplesmente uma categoria que Rawls deixa de reserva, supondo que pode haver outros povos decentes cuja estrutura básica não se ajusta à sua descrição de hierarquia de consulta. Além disso, há, em terceiro lugar, Estados fora da lei e, em quarto, sociedades onerados por condições desfavoráveis. Finalmente, em quinto, temos sociedades que são absolutismos benevolentes: elas honram a maior parte dos direitos humanos mas, como negam aos seus membros um papel significativo nas decisões políticas, não são bem – ordenadas.

Base dos dois critérios


Um povo decente deve honrar as leis da paz; seu sistema de Direito deve ser tal que respeite os direitos humanos e imponha deveres e obrigações a todas as pessoas no seu território. Seu sistema de Direito deve assegurar uma ideia de justiça do bem comum, que leve em conta o que vê como interesses fundamentais de todos na sociedade. E, finalmente, deve haver uma crença sincera e razoável, da parte dos juízes e outros funcionários, de que a lei é realmente guiada por uma ideia de justiça do bem comum.

Hierarquia de consulta decente


Hierarquia de consulta e objetivo comum


Ainda que todas as pessoas em uma sociedade hierárquica decente não sejam consideradas como cidadãos livres e iguais, nem todos indivíduos que merecem representação igual, elas são vistas como decentes e racionais e como capazes de aprendizagem moral tal como reconhecida na sua sociedade. Como membros responsáveis da sociedade, elas podem reconhecer quando seus deveres e obrigações morais conformam – se à ideia de justiça do bem comum do povo. Cada pessoa pertence a um grupo representado por um corpo na hierarquia de consulta, e cada pessoa, participa de atividades distintas e desempenha certo papel no esquema geral de cooperação.

Direitos humanos


Papel dos direitos humanos nos direitos dos povos


Os direitos humanos são uma classe de direitos que desempenha um papel especial num direito dos povos razoável: eles restringem as razões justificadoras da guerra e põem limites à autonomia interna de um regime. Dessa maneira, refletem as duas mudanças básicas e historicamente profundas em como os poderes da soberania tem sido concebidos desde a Segunda Guerra Mundial.

A doutrina de guerra justa: o direito à guerra


O direito à guerra dos povos bem ordenados


Nenhum Estado tem direito à guerra na busca de interesses racionais, em contraste com interesses razoáveis. O direito dos povos, porém, atribui a todos os povos bem ordenados (liberais e decentes) e, na verdade, a qualquer sociedade que siga e honre um direito dos povos razoavelmente justo, o direito à guerra em autodefesa. Embora todas as sociedades bem ordenadas tenham esse direito, elas podem interpretar as suas ações de maneira diferente, dependendo de como pensam nos seus fins e propósitos.

A doutrina da guerra justa: a conduta de guerra


Princípios que restringem a conduta de guerra


Rawls expõe os seis princípios do pensamento tradicional, nesse capítulo.
  1.  O objetivo de uma guerra justa movida por um povo bem ordenado justo é uma paz justa e duradoura entre os povos e, especialmente, com seu atual inimigo.
  2. Os povos bem ordenados não guerreiam entre si, mas apenas contra Estados não bem ordenados, cujos objetivos expansionistas ameacem a segurança e as instituições livres de regimes bem ordenados.
  3. Na conduta de guerra, os povos bem ordenados devem distinguir claramente três grupos: os líderes e funcionários do Estado fora da lei, seus soldados, e a sua população civil.
  4. Os povos bem ordenados devem respeitar, tanto quanto possível, os direitos humanos dos membros do outro lado, civis e soldados.
  5.  Os povos bem ordenados, pelas suas ações e proclamações, quando viável, devem prever, durante uma guerra, o tipo paz e os tipos de relações que buscam.
  6. O raciocínio prático de meios e fins deve sempre ter um papel restrito quando se julga a adequação de uma ação ou política.


Sociedades oneradas


Condições desfavoráveis


As sociedades oneradas, embora não sejam expansionistas nem agressivas, carecem de tradições políticas e culturais, de capital humano e conhecimento técnico e, muitas vezes, dos recursos materiais e tecnológicos necessários  para que sejam bem ordenadas. O objetivo de longo prazo das sociedades (relativamente) bem ordenadas deve ser o de trazer as sociedades oneradas, tal como os Estados fora da lei, para a sociedade dos povos bem ordenados.

A primeira diretriz para o dever de assistência


A primeira diretriz a considerar é a de que uma sociedade bem ordenada é a de que uma sociedade bem ordenada não precisa ser uma sociedade rica.

Segunda diretriz


Uma segunda diretriz para pensar a respeito de como executar o dever de assistência é perceber que a cultura política de uma sociedade onerada é de suma importância, e que, ao mesmo tempo, não existe nenhuma receita fácil para que os povos bem ordenados ajudem uma sociedade onerada a mudar a sua cultura política e social.

Terceira diretriz


A terceira diretriz para executar o dever de assistência é que seu objetivo seja ajudar as sociedades oneradas a serem capazes de gerir os seus próprios negócios de um modo razoável e racional e, por fim, tornarem – se membros da sociedade dos povos bem ordenados.

Sobre a justiça distributiva entre os povos


Igualdade entre os povos


Uma razão para reduzir as desigualdades em uma sociedade nacional é aliviar os sofrimentos e as dificuldades dos pobres. Contudo, isso não requer que todas as pessoas sejam iguais na riqueza. Em si, não importa quão grande a distância entre ricos e pobres possa ser. O que importa são as consequências.
A segunda razão para diminuir a distância entre ricos e pobres é que essa distância muitas vezes leva alguns cidadãos a serem estigmatizados e tratados como inferiores, e isso é injusto.
A terceira razão para considerar as desigualdades entre os povos diz respeito ao importante papel de equidade no processo político da estrutura da sociedade dos povos. No caso nacional, esse interesse é evidente no assegurar a honestidade das eleições e das oportunidades políticas de concorrer a cargo público.

Contraste com a visão cosmopolita


O direito dos povos supõe que cada sociedade tem na sua população um cabedal suficiente de capacidade humanas, dispondo de capacidades humanas, dispondo de recursos humanos potenciais para concretizar instituições justas. O fim político último da sociedade é tornar – se plenamente justa e estável pelas razões certas. Assim que esse fim é alcançado, o direito dos povos não prescreve mais nenhum alvo como, por exemplo, elevar o padrão de vida para além do que é necessário para sustentar essas instituições.
Essas observações ilustram o contraste entre o direito dos povos e uma visão cosmopolita. O interesse final de uma visão cosmopolita é o bem – estar dos indivíduos, não a justiça das sociedades.

A ideia de razão pública revista

A ideia de razão pública explicita no nível mais profundo os valores morais e políticos que devem determinar a relação de um governo democrático constitucional com os seus cidadãos e a relação destes entre si.
Ela tem cinco aspectos diferentes:
  1. As questões políticas fundamentais às quais se aplica;
  2. As pessoas a quem se aplica (funcionários do governo e candidatos à cargos públicos);
  3.  Seu conteúdo como dado por uma família de concepções políticas razoáveis de justiça;
  4.  A aplicação dessas concepções em discussões de normas coercitivas a serem decretadas na forma da lei legítima para um povo democrático;
  5. A verificação pelos cidadãos de que os princípios derivados das suas concepções de justiça satisfazem o critério de reciprocidade;
O conteúdo da razão pública é dado por uma família de concepções políticas de justiça. Há muitos liberalismo e visões relacionadas e visões relacionadas e, portanto, muitas formas de razão pública manifestadas numa família de concepções políticas razoáveis. Desta, a justiça como equidade é apenas uma. A característica delimitadora dessas formas é o critério da reciprocidade, aplicado entre cidadãos livres e iguais, vistos como razoáveis e racionais.

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