A ideia
primitiva de vingança, oriunda das épocas remotas, permanece intocável, mesmo
diante das recentes teorias progressistas e humanitárias, que advogam uma
intervenção estatal punitiva, com limites traçados pelos direitos e garantias
fundamentais.
A pena na cultura dos povos primitivos
Atualmente, nas
práticas penais, permanece uma demanda mítica de vingança contra quem
transgride normas consideradas imprescindíveis à ordem social, não obstante os
avanços teóricos e científicos atribuídos às funções das sanções penais,
alicerçadas em princípios constitucionais fundamentais e na dignidade da pessoa
humana.
Concepção primitiva da punição e a chamada vingança de sangue
O mito traduz
uma realidade intrínseca da natureza humana, na qual se insere a vingança, de
caráter eminentemente emocional.
Dele originava –
se a chamada vingança de sangue, definida por Erich Fromm como “um dever
sagrado que recai num membro de determinada família, de um clã ou de uma tribo,
que tem de matar um membro de uma unidade correspondente, se um de seus
companheiros tiver sido morto”.
(Erich Fromm.
Anatomia da destrutividade humana)
Mas, como
informa Giorgio Del Vecchio, “no caso de a ofensa ser praticada por membro do
mesmo grupo, o mesmo princípio exige a expulsão do ofensor. Este, uma vez
expulso do grupo, que é a única forma de tutela jurídica nesta fase, fica
destituído de qualquer direito e equiparado a uma fera, ou seja, exposto às
ofensas de todos. O desterro primitivo, imposto por meio de fórmulas sacras
apresenta – se assim com gravidade extrema e não deve confundir – se com o
exílio das épocas posteriores, em que o indivíduo, mesmo banido do grupo,
continua a dispor de outros meios de tutela jurídica”.
(Giorgio Del
Vecchio. Lições de filosofia do direito)
Com o progresso
político dos povos, passou a haver uma limitação cada vez maior da autonomia
dos grupos e famílias e, por via de consequência, o afastamento gradativo da
vingança privada, como forma de reação punitiva. Entretanto, como comentado, a transferência
da punição para um poder central não teve por fundamento abrandar a vingança em
si, mas sim manter certa ordem social e evitar guerras infindáveis entre
grupos, que enfraqueciam a própria comunidade.
As punições decorrentes de violações de totens e tabus
Os totens e
tabus regiam as comunidade primitivas, com reflexos no sistema punitivo. A não
– compreensão dos fenômenos naturais conduzia os homens primitivos à crença em forças
sobrenaturais.
Consoante Freud,
totem “via de regra é um animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e
mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva e a água), que
mantém relação peculiar com todo o clã. Em primeiro lugar, o totem é o passado
comum do clã; ao mesmo tempo, é o seu espírito guardião e auxiliar, que lhe
envia oráculos e, embora perigoso para os outros, reconhece e poupa seus
filhos. Em compensação, os integrantes estão na obrigação sagrada (sujeita a
sanções automáticas) de não matar nem destruir seu totem e evitar comer sua
carne (ou tirar proveito dele de outras maneiras)”.
(Sigmund Freud.
Totem e tabu)
A violação aos
princípios totêmicos implicava punição para os transgressores.
O tabu, por sua
vez, considerado o código não escrito mais antigo do homem, constituía
proibição convencional, decorrente de uma tradição, com caráter sagrado, sem
explicação ou origem precisa, destituída de motivo e misteriosa na origem, que
passava a integrar princípios da comunidade e era transmitida de geração para
geração. O tabu refere – se não somente ao caráter sagrado (ou impuro) de
coisas ou pessoas, mas também à espécie de proibição resultante desse caráter.
A violação do tabu
transformava o transgressor em tabu, tornando – o perigoso e impuro, e o
contágio deveria ser evitado por atos de expiação e purificação, por meio de
cerimônias purificadoras.
A concepção da pena na Antiguidade
As antigas
civilizações orientais eram regidas pelo chamado “estado teológico”. Por isso, a pena, via de regra, encontrava
sua justificativa em fundamentos religiosos e tinha por finalidade satisfazer a
divindade ofendida pelo crime. Com a influência da religião no desenvolvimento
da civilização, a aplicação das penas passou a ser regulada pelos sacerdotes.
No Egito Antigo,
a prática de vários crimes era punida com a morte, embora houvesse notícia na
Antiguidade que o faraó Sabacon (Shabak) havia abolido a pena de morte,
fundando uma colônia penitenciária chamada de Cidade dos Malfeitores.
O direito hindu
prescrevia três espécies de sanção: purificação, expiação e pena propriamente
dita. Nesta última categoria incluíam – se, em sua maioria, as penas corporais,
embora as pecuniárias também fossem aplicadas. O caráter religioso nas sanções
penais era bem marcante na pena de morte, infligida aos autores de crimes mais
graves. Refletia uma espécie de penitência espontânea, aceita pelo culpado,
como forma de purificação.
Entre os
hebreus, o direito igualmente se confundia com a religião. Na própria Bíblia
observa – se uma evolução das práticas penais, desde a primitiva vingança até
formas mais apuradas, que serviriam de base para legislações futuras.
A vingança de
sangue (pelo parente mais próximo da vítima), por sua vez, já aparece
regulamentada e controlada pela sociedade hebraica.
Verifica – se,
assim, um avanço na legislação hebraica, distinguindo o homicídio doloso do
culposo, quanto ao tratamento penal. Embora fosse essa legislação muito arcaica,
já demonstrava preocupação com o aspecto subjetivo do crime, em uma época em
que praticamente predominava a responsabilidade de cunho objetivo.
Grécia. Platão
(427 – 347 a. C) propunha que se imunizasse definitivamente a sociedade contra
delinquentes não passiveis de correções externas. Por isso, os incorrigíveis
deveriam ser afastados da sociedade ou submetidos à pena de morte. Para o
filósofo, a pena, quando merecida por quem a recebe, tem por objetivo torná-lo
melhor ou servir de exemplo para os outros.
Para Aristóteles
(384-322 a.C) a pena seria um meio apto para atingir o fim moral pretendido
pela convivência social. Por acreditar no poder de intimidação das sanções,
sustentava que o delinquente que foge da dor deve ser castigado, já que as
pessoas, em sua maioria, só se abstém da prática de más ações por temerem a
punição. Ademais, a pena tinha por
objetivo restabelecera igualdade entre os indivíduos, violada pelo ato
delituoso, dentro de uma proporção aritmética, entre o justo e o injusto. A justiça penal se consubstancia no meio –
termo entre o ganho auferido pelo agente e a perda suportada pela vítima. A
perda suportada pelo ofendido deve ser correspondente à reparação por parte do
culpado, como forma de reconduzir as coisas ao seu estado primitivo. O
equilíbrio da justiça, rompido pelo crime, deve ser restabelecido pela punição
proporcional ao dano causado pelo agente.
No Direito
Romano, diversas foram as finalidades atribuídas à pena: castigo, emenda,
satisfação à vítima e prevenção geral, pela intimidação. Sêneca, entretanto,
embora lembrasse que a pena servia para emendar, sublinhava a necessidade da
punição, para a segurança social. Já os jurisconsultos clássicos, como
Marcianus, Ulpianus e Saturninus, viam na pena o exemplo, demonstrando sua finalidade
de prevenção geral. Essa finalidade atribuída à pena, como defesa da ordem
social, predominou na legislação imperial.
A concepção medieval da pena
No início da
Idade Média, com a queda do Império Romano, o Ocidente sofreu, no campo do
Direito Penal, as influências dos “ordálios ou juízos de Deus”, trazidos pelos
povos germanos. Tais práticas eram marcadas pelas superstições e pela
crueldade, sem chances de defesa para os acusados, que deveriam caminhar sobre
o fogo ou mergulhar em água fervente para provar sua inocência. Por isso,
raramente escapavam das punições. Não
obstante a tentativa da doutrina cristã de humanizar as penas, tais práticas
perduraram por vários séculos.
Não se pode,
contudo, deixar de mencionar a praticar da composição pecuniária, trazida pelos
germanos, que substituía, com melhores resultados a vingança privada, evitando
a mortandade entre os grupos ou famílias em conflito.
A reconstrução
dos valores humanos pregadas pelo cristianismo influenciou diretamente as
práticas penais. O homem passou a ser visto como imagem e semelhança de um deus
único. O politeísmo chegava ao seu final. Com a proclamação da autonomia da
vida espiritual pelo evangelho, a pessoa humana foi elevada acima da tirania
estatal.
Para o homem
medieval, não só o poder, mas todas as coisas eram derivadas de Deus. O direito
de punir, como consequência, não fugiu à regra geral dessa espécie de delegação
divina. Por esse motivo, a pena consistia em uma espécie de represália pela
violação divina e objetivava a expiação como forma de salvação da alma para a
vida eterna.
Sob essa ótica,
a heresia era considerada um dos crimes mais graves, passível de penas mais
severas, e a fé religiosa constituía interesse do próprio Estado, que passou a
utilizar a Inquisição, surgida no século XIII, para fins políticos, como
ocorreu na condenação de Joana D’Arc, em 4131. Assim, a religião e o poder
secular estavam intimamente ligados e qualquer ato de heresia constituía
infração ao próprio Estado.
A concepção da pena na época moderna
Utopias do Renascimento
Entre os autores
renascentistas, destaca – se, inicialmente, Maquiavel (1469 – 1527) e sua obra O príncipe. Em seu capítulo XVII, ao
tratar “Da crueldade e da piedade”, vê – se claramente sua concepção do
Direito, base do absolutismo que iria futuramente instalar – se na Europa
Ocidental, ao assinalar que um príncipe deve “não se preocupar com a fama de
cruel se deseja manter seus súditos unidos e obedientes. Dando os pouquíssimos
exemplos necessários, será mais piedoso do que aqueles que, por excessiva
piedade, deixam evoluir as desordens, das quais resultam assassínios e rapinas;
porque estes costumam prejudicar uma coletividade inteira, enquanto as
execuções ordenadas pelo príncipe ofendem apenas um particular”.
Assim, Maquiavel
justificava os castigos como forma de intimidação, para a segurança da
sociedade e garantia do poder do soberano, concepção própria do absolutismo,
que não visava a outra finalidade da pena, a não ser a de incutir temor em nome
da salvaguarda da monarquia absoluta.
Thomas Hobbes
(1588-1679), por seu turno, em sua obra Leviatã,
sustenta a origem contratual do direito de impor sanções penais. Com uma
visão pessimista, entende que a natureza humana conduz os indivíduos
necessariamente ao egoísmo, pela busca incessante do poder que só termina com a
morte. Pela lei natural, os homens são conduzidos a uma violência generalizada
na busca desse poder, que precisa ser contida.
A pena, contudo
deveria limitar – se ao quantum de
reprovabilidade previsto na legislação, sob pena de equipara – se à vingança.
De fato, de acordo com Hobbes, se depois de cometido o crime fosse aplicada
pena mais grave e desproporcional, o excesso não poderia ser considerado como
integrante da pena, mas sim ato de hostilidade.
Outro autor de
destaque é Thomas More (1478-1535) e sua obra Utopia. Antecipando – se aos substitutivos penais da atualidade,
propunha que os ladrões prestassem serviços à comunidade, desde que não
praticassem crime mediante violência. Como os condenados iriam prestar serviços
à República, teriam de ser bem alimentados e todos os anos seriam libertados
por bom comportamento como estímulo à recuperação.
O absolutismo
Na visão de
Jacques Bossuet (1627-1704), um dos maiores teóricos do absolutismo, a
monarquia constitui forma original de governo, mais durável e mais forte. A
autoridade real é sagrada, uma vez que os príncipes são ministros de Deus, o
verdadeiro rei, cujo império é eterno, exercido desde a criação. Por isso, quem
resiste ao poder do príncipe vai de encontro à ordem de Deus, motivo pelo qual
deve ser punido com a morte.
Nas mãos dos
monarcas absolutos, o suplício infligido aos criminosos não tinha por
finalidade restabelecer a justiça, mas reafirmar o poder do soberano. A pena,
sem qualquer proporção com o crime cometido, não possuía nenhum conteúdo
jurídico nem qualquer objetivo de emenda do condenado. Sua aplicação tinha
utilitária de intimidar a população por meio do castigo e do sofrimento
infligido ao culpado.
Os suplícios
integravam o próprio cerimonial da justiça penal daquela época. Por isso, como
relata Michel Foucault em Vigiar e Punir,
prolongavam – se ainda após a morte. Os cadáveres eram queimados e as
cinzas jogadas ao vento. Os corpos dos condenados eram arrastados e depois
expostos à beira das estradas.
No Brasil, a
execução do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é exemplo dessa
perseguição post mortem em nome da
vingança pública. Ele e os demais acusados da Inconfidência Mineira foram
condenados à morte pelo crime de lesa majestade; no entanto somente Tiradentes
foi executado. pelo acórdão de 19 de abril de 1792, que proferiu a condenação,
Tiradentes, após ser enforcado, teria sua cabeça cortada e levada a Vila Rica,
onde seria pregada em um poste alto, para ser consumida pelo tempo. Seu corpo
seria dividido em quatro quartos e pregados em partes pelo caminho de Minas Gerais.
Fundamentos da pena na época contemporânea
O período humanitário e a Escola Clássica
A reação aos
atos de punição crudelíssimos e arbitrários, por meio de suplícios, em nome do
absolutismo, surgiu com a própria evolução da humanidade, principalmente com a
filosofia do século XVIII. A ilustração desse século influenciou diretamente a
Revolução Francesa e, com ela, a consagração dos princípios contidos na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Tais princípios, de caráter
universal, transformaram – se em dogmas constitucionais de garantias contra o
absolutismo e arbítrio.
Pietro Verri,
companheiro de Beccaria, também iria insurgir – se contra a tortura, em sua
obra Observação sobre a tortura, escrita entre 1770 e 1777. Para ele, mesmo que
a tortura fosse apta à descoberta da verdade, seria injusta. Explica que homens
fortes e determinados sofrem os tormentos sem nada falar. Em outras situações,
o torturado confessa a culpa pelo crime, mesmo inocente, em razão do tormento
infligido.
Posteriormente,
nem mesmo com a Revolução Francesa, alicerçada nos direitos naturais do
indivíduo, a pena de morte foi afastada. A permanência da pena de morte na França
ocorreu porque os revolucionários houveram por bem suspender a justiça almejada
para formar o direito da revolução em nome da soberania apta a justificar a
medida de exceção.
Outro autor de
destaque, na segunda metade do século XVIII, foi Jean Paul Marat, seguidor de
Rousseau, que participara diretamente da Revolução Francesa. No prólogo da
publicação de sua obra Plain de
Législation Criminelle, de 1790, demonstrou ser partidário da prevenção
geral negativa, alicerçada na intimidação, ao sustentar a necessidade de
substituir os costumes pelo temor ao castigo, para manutenção da ordem social,
quando corrompidos. Preocupado com as causas dos crimes, constata que estes são
quase sempre cometidos por pessoas desprovidas de educação, motivo pelo qual
propunha escolas gratuitas para instruir os pobres. No entender de Marat, a
existência de grandes desigualdades sociais implicava um rompimento do contrato
social, porquanto os homens haviam – se reunidos em sociedade para obter vantagens
da união e não para sofrer consequências negativas, pois a finalidade da
sociedade é a felicidade dos seus componentes. Segundo Marat, se a sociedade
não garante a subsistência ao pobre, não pode sancioná-lo, uma vez que o pobre
retorna ao estado de natureza, no qual não existem obstáculos para que o homem
busque o necessário para sua sobrevivência.
São também
importantes os anseios de Marat por uma justiça imparcial, sem distinção de
classes sociais, que estabeleça penas semelhantes a todo o delinquente pela
prática de determinado crime, embora haja circunstancias que possam agravar ou
atenuar o crime cometido.
Outro
contemporâneo de Beccaria, Manuel de Lardizabal y Uribe (1739-1821), sustentou
em seu livro Discurso sobre las Penas, antecipando
– se ao correcionalismo, que as sanções tinham caráter utilitário de emenda do
delinquente e de prevenção geral, por meio da intimidação, pois seria cruel e
tirano aplicá-las por vingança ou com mero escopo de “atormentar” os homens.
Para ele, a vingança só teria sentido se revestida de alguma utilidade. De
fato, segundo o autor, não é possível desfazer um delito já cometido, nem as
dores e os tormentos mais atrozes impostos ao condenado seriam capazes de
revogar as ações já consumadas. As leis, porquanto livres de paixão, devem
castigar sem ódio ou cólera. Nesse ponto, reforça o pensamento de Beccaria, no
sentido do afastamento dos suplícios. Além disso, na visão de Lardizabal y
Uribe, a sanção penal não pode ser tão grave, a ponto de ultrapassar a
necessidade de correção do delinquente ou de prevenção geral pela intimidação.
Sua doutrina,
contudo, não se limitou ao caráter retributivo e intimidativo da sanção penal.
Advertiu ter a experiência demonstrado que a maior parte dos condenados saía
dos presídios com mais vícios. Daí a necessidade de serem criadas casas de
correção, para tornar os egressos mais uteis e proveitosos à sociedade.
Em relação à
pena de morte, Lardizabal y Uribe manifestou – se favorável a mantê-la, por
entender que sua abolição abriria as portas para delitos mais atrozes, que não
poderiam ser expiados senão com a morte do agente.
Jeremy Bentham
(1748-1832), por seu turno, considerado grande expoente do princípio utilitário
das penas, concluiu que estas constituem um mal contra os que praticam atos
proibidos pela lei, com a finalidade de prevenir infrações futuras. Entretanto,
a eficácia dessa prevenção estaria incompleta sem a investigação das causas da
criminalidade.
A justificativa
das penas, por sua vez, está contida na utilidade de tornar inócuo o
delinquente, considerado inimigo público.
Ainda no seu
entender, o Estado deve lucrar com a imposição dos castigos. E esse lucro
consubstancia – se na utilidade geral da prevenção de novos crimes. Por isso,
propõe, como justificativa econômica, a proporcionalidade da pena, mantida nos
limites de sua necessidade, para não se tornar dispendiosa. Dentro dessa
proporcionalidade, devem ser aferidas não só as circunstâncias objetivas de
cada infração, como também as que influem na sensibilidade dos indivíduos.
Assim, na questão relativa às sanções penais, as circunstâncias de caráter
subjetivo pouco a pouco ganhavam terreno.
Bentham aponta
qualidades vantajosas no tocante à aplicação da pena de morte, destacando – se,
em primeiro lugar, a de tirar do criminoso o poder de fazer o mal. Em segundo
lugar, menciona a analogia em sua aplicação, qualidade exclusiva em relação ao
crime de homicídio. Em terceiro lugar, sustenta ser a pena capital popular e
exemplar, para efeito de prevenção geral. Por último, enfatiza que o
padecimento sofrido pelo delinquente é menor do que a maior parte das penas
aflitivas.
O autor indica,
no entanto, faltar à pena de morte a possibilidade de ser convertida em
proveito para a parte lesada. Constitui, ainda, uma perda, porquanto diminui o
número de homens. Além disso, é desprovida de igualdade, o que a torna incerta
para a prevenção geral. Para alguns homens não constituirá nenhuma ameaça, pois
embora a morte represente a ausência de todos os bens, é o fim de todos os
males. Por último, a pena de morte não pode ser reparada diante de um erro
judiciário.
Posteriormente,
a ideia da pena como defesa da sociedade viria a ser enfatizada na obra de
Giandomenico Romagnosi (1761-1835). Diversamente de outros clássicos, não
postulou uma defesa voltada para o passado, pois o fato e o prejuízo já haviam
ocorrido. Por isso, no seu entendimento, o Direito Penal teria de surgir da
relação da sociedade com o futuro. A vingança não poderia consubstanciar o fim
das penas, porquanto seriam estas tão injustas quanto o delito praticado.
Considerou,
ainda, a impunidade como fator ameaçador do corpo social, embora fosse uma
causa posterior ao crime cometido. Para ele, a pena deve seguir o delito, como
meio necessário utilizado pela sociedade e como seu direito, voltado para sua
própria conservação. Esse o fundamento do Direito Penal.
Todavia, essa
necessidade de imposição de pena, conforme concluiu, não teria o papel de
restabelecer o desequilíbrio causado pelo crime, mas sim o de exercer a
prevenção geral pela intimidação. Por esse motivo, a sociedade tem o direito de
empregar os meios necessários para infundir esse temor.
A doutrina de
Romagnosi iria encontrar grande oposição em Immanuel Kant (1704-1804), o grande
expoente das teorias absolutas ou retributivas da pena, representadas pelo quia peccatum est, nas quais ela
encontra justificação na justa retribuição, como imperativo categórico de
justiça, e não na prevenção geral ou especial. Essas teorias acarretariam
grande impacto no século XIX, no qual predominavam as teorias relativas da pena,
baseadas na prevenção geral ou especial, ou na emenda do condenado.
O crime, na
visão kantiana, configura transgressão ao direito de cidadania, cuja pena a ele
deve corresponder, medida por uma espécie de talião jurídico.
A justiça do
Direito Penal, segundo Kant, estaria justamente na falta de objetivo
utilitário, sem fins políticos, na imposição das sanções. Somente a partir de
um direito penal não – utilitário, poder- se – ia chegar a uma justificação de
um direito penal retributivo que se diferenciasse da vingança, de um poder
brutal e de uma retribuição irracional. Dessa ótica, o direito tornar – se – ia
justo e puro, apto a garantir a dignidade e a liberdade do homem. A pena, por
sua vez, constitui uma exigência de justiça absoluta, com o objetivo de
restaurar a ordem social violada pela transgressão.
Para Kant, o
homicídio deve ser punido com a morte. Diante do homicídio não há nenhuma
comutação apta a satisfazer a satisfazer a justiça, por ausência de qualquer
correspondência entre uma vida pela de trabalho e a morte. Por isso, só a pena
de morte pode ser equiparada a esse crime, para efeito de justiça penal.
A teoria
absoluta, preconizada por Kant, viria a ser retomada por Hegel (1770 – 1831),
no sentido da justiça da pena em sua própria aplicação. O crime, considerado
como violação de um direito, deve ser suprimido por meio da pena,
possibilitando, dessa forma, a restauração do direito. Assim, é o crime é a negação
do Direito, enquanto a pena como negação do crime, reafirma o Direito. De fato,
definir o Direito como algo a ser seguido e respeito implica, por via de
consequência, a possiblidade de ele ser violado. A pena é, assim, a negação da
negação caracterizada pelo crime, com o objetivo de reafirmar o Direito e
atualizar a justiça. Quando a pena é aplicada, a realidade do Direito
reconcilia - se com ela mesma.
Para Hegel, a
ameaça contida na pena constitui coação contrária à liberdade do homem, como
ser racional, afastando por isso a ideia de justiça. Nada impede, contudo, que
a pena exerça, de forma secundária, o objetivo de prevenção geral, sem que isso
influencie sua finalidade primordial de atualizar a
justiça e reafirmar o Direito.
No pensamento de
Hegel, a modalidade da pena a ser imposta não é essencial, uma vez que a
punição, independentemente de sua forma, cumpre a missão de restabelecer a
justiça, como expressão da vontade universal. A pena é resultante dessa vontade
universal, extraída da experiência psicológica, segundo a qual o sentimento
geral dos povos e dos indivíduos é o de que o criminoso deve ser punido em
razão do delito cometido.
Hegel, assim
como Kant, manifestou – se partidário da pena de morte, contrariando a tese
abolicionista de Beccaria, baseada no contrato social. Para ele, o Estado não é
um contrato e não tem por essência a proteção e a segurança de indivíduos
isolados, mas a realidade acima desses indivíduos, podendo inclusive
reivindicar suas vidas. Por uma vontade de justiça, diante de um crime
cometido, pode o Estado, como realidade superior, sacrificar a vida do individuo,
dependendo da natureza do ato criminoso por ele praticado.
Na sequencia, na
segunda metade do século XIX, os princípios da Escola Clássica foram
consolidados por Francesco Carrara (1805 – 1888), em seu Programa, publicado em
1859. Assim como Beccaria, Carrara manifestou – se contrário às penas capitais
e os martírios infligidos ao delinquente. Para ele, mesmo com a prática do
crime, não perde o infrator os direitos inerentes à condição.
Partidário do
livre – arbítrio, critica o determinismo pregado pelos médicos de sua época e
pelo positivismo criminológico. A punição só se justifica quando o ato
criminoso é oriundo da vontade livre, alicerce da imputabilidade moral. O homem
só pode ser responsável no âmbito criminal em virtude de sua imputabilidade
moral, que implica liberdade de ação.
Não menciona o
autor nenhuma reeducativa na pena, embora proponha sua proporcionalidade com o
delito praticado. Ela não deve exceder as necessidades da tutela jurídica, com
base na apuração do fato concreto, nem ser inferior a tal necessidade. O
excesso na retribuição caracterizaria violação no direito, prepotência e
tirania. Já a deficiência configuraria traição ao dever da autoridade de impor
sanções. Desse ponto de vista, a quantidade da pena prevista pelo legislador
deve ser medida por critérios jurídicos, baseados na proporcionalidade dos
danos causados pelo crime, ou no perigo ao bem jurídico tutelado pela norma.
A pena, para
Carrara, é consequência do desejo de reação ante a violação do direito. Não se
destina a promover a emenda do condenado, mas a desempenhar o seu papel de
tutela jurídica. O autor critica a doutrina do correcionalismo, que se arrisca
a sacrificar a segurança dos bons à esperada vantagem de corrigir os culpados.
Para ele a tutela do individuo não pode sobrepor – se à tutela social.
Para Carrara, o
fim da pena não é que se faça justiça, nem que seja vingado o ofendido, nem que
seja reparado o dano sofrido, ou que se amedrontem os cidadãos. Tudo isso são
consequências acessórias, uma vez que a finalidade primordial da imposição das
sanções penais é restabelecer a ordem externa social. Isso porque o mal causado
pela ofensa material do delito deve ser reparado com a imposição de uma pena.
No seu entendimento, além das vítimas determinadas, o delito ofende todos os
cidadãos, diante à infração das leis estabelecidas pela sociedade, diminuindo
assim, a segurança e criando o perigo do mau exemplo.
O período
humanitário da Escola Clássica concorreu, ainda, para o surgimento dos
primeiros abolicionistas da pena capital, após a publicação do livro de
Beccaria. O movimento de abolição da pena de morte, iniciado pelo filósofo,
contribuiu para o afastamento dessa pena na grande maioria das legislações
contemporâneas.
Com a nova
corrente filosófica, a pena passou a ser aplicada de modo proporcional ao dano
causado pelo crime e à necessidade de sua imposição, seja pela reprovabilidade
da conduta, seja para a prevenção das infrações futuras, ou, ainda, para a
segurança e a tranquilidade social. E a justiça da pena estaria consubstanciada
nessa proporcionalidade. Alem disso, a sanção, por mais grave que fosse, não
poderia ultrapassar a pessoa do criminoso. O princípio da personalidade da pena
tornou – se imperativo constitucional.
A escola positiva
A nova corrente,
de forma clássica, busca na observação e na experiência científica os
instrumento capazes de resolver a problemática criminal. Por isso, suas
doutrinas acerca dos aspectos fundamentais do sistema punitivo, amparadas no
cientificismo, são de grande importância no Direito Penal da atualidade.
O novo movimento
teve início com a publicação de L’Uomo Delinquente (1876), de Cesare Lombroso
(1836-1909). Partidário do determinismo, elaborou a tese de que o delinquente é
um espécie do gênero humano que comete necessariamente crimes, em razão de seus caracteres antropológicos, explicados pelo atavismo. O delito seria um
retorno atávico a formas primitivas da humanidade.
Na concepção de
Lombroso, reaparecem no delinquente sentimentos religiosos e associações
criminosas, próprios dos selvagens primitivos, que não passaram pelo processo
de civilização. Fadado a cometer a crimes, o delinquente não consegue manter – se dentro dos
parâmetros de comportamento prescritos pelo ordenamento jurídico penal. O
delito, por via de consequência, surge como fenômeno natural ou “necessário”,
fora do alcance da vontade do agente, a exemplo do que ocorre com o nascimento,
a morte, a concepção e as doenças mentais.
Diante da
ausência de livre – arbítrio por parte do transgressor, o castigo a ele imposto
torna – se ineficaz, uma vez que obedece a leis “mudas”, provindas da herança
primitiva, cuja vigência perdura ao longo dos séculos, regendo a sociedade com
mais autoridade do que as normas codificadas. Por isso, Lombroso não acredita
nos sistemas de penalidade que tomam como ponto de partida o arrependimento do
culpado. Tal como o homem primitivo, desprovido de qualquer remorso, o
delinquente envaidece – se de suas façanhas criminosas e encontra na violência
o sentido de justiça.
A reunião dos
estudos de Lombroso sobre a antropologia e a psicologia do comportamento
criminoso abriria caminho para a reformulação positivista acerca do sistema
punitivo. A tese do determinismo, por ele preconizada, faz com que a ideia de
castigo perca sua eficácia, cedendo lugar às propostas de medidas de defesa
social sugeridas por seus sucessores. Além disso, sua obra, concentrada no
estudo do homem delinquente, motivou o surgimento da criminologia e das
ciências a ela relacionadas, como a psicologia, a biologia e a sociologia. O
Direito Penal, a partir de então, passaria a ser estudado em conjunto com
outras áreas do conhecimento humano.
Já no campo da
sociologia, a figura principal da Escola Positivista foi, sem dúvida, Enrico
Ferri (1856-1929), destacando – se, entre seus livros, as obras La Sociologia
Criminale e Principii di Diritto Criminale.
Também voltado
para o estudo do homem delinquente, Ferri contesta o livre – arbítrio nos
criminosos e os classifica em cinco categorias: natos, loucos, habituais, de ocasião
e por paixão. De acordo com seu magistério, para uma dessas categorias deve
incidir uma espécie de reação (pena), direcionada segundo a forma individual de
periculosidade.
O correcionalismo
Mesmo antes do
surgimento do positivismo criminológico, o alemão Carlos David Augusto Röder,
em 1839, havia postulado a pena com finalidade de corrigir a injusta e perversa
vontade do criminoso. Talvez tivesse sido um dos primeiros a defender a sanção
penal com duração indeterminada, condicionada à emenda do condenado. Segundo o
doutrinador alemão, por meio da pena, busca – se, de forma racional e
necessária, organizar a vontade do delinquente, injustamente determinada, para
que essa vontade possa ordenar – se por si mesma.
Para ele, a
teoria correcional dirige – se ao homem real e efetivo e não ao homem geral e
abstrato, como as demais teorias penais. A pena correcional constitui um
remédio no âmbito psíquico do criminoso, restabelecendo o vigor da legislação e
garantindo a saúde social. Não considera lícito ao juiz, ou mesmo ao
legislador, estabelecer um suplício ao condenado, porquanto seria um ato de
perversidade.
Quanto à
execução penal, deve nela existir duplo interesse na busca da justiça: o do
condenado, de corrigir – se, e o da sociedade, de que se corrija. Assim, a pena
transforma – se em um bem para o condenado e para a própria comunidade social.
Novos movimentos de defesa social
Entre as duas
guerras mundiais, foram interrompidos os trabalhos da União Internacional de
Direito Penal. Durante esse período, o Direito Penal distanciou – se da
corrente humanitária e tornou – se extremamente repressivo. Predominou, então,
o tecnicismo jurídico, segundo o qual o Direito Penal deve desvincular – se de
qualquer indagação de política criminal ou de cunho filosófico, o que ocasionou
um retrocesso em face do positivismo crítico. Sem o auxílio axiológico e sem a
contribuição de outras áreas do conhecimento humano, o Direito Penal permanece
estático, restrito aos princípios estabelecidos no ordenamento positivo.
A influência do
tecnicismo jurídico fez – se sentir em várias legislações da primeira metade
desse século, como no Código Italiano de 1930 e na Constituição brasileira de
1937, a qual chegou a prever a aplicação de pena de morte para o “homicídio
cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade” (art.122, n 13, letra
j). Contudo, no Brasil, a pena de morte não chegou a integrar as sanções do
Código Penal de 1940, graças ao sentimento humanitário dos legisladores, que
desprezaram o mandamento constitucional.
Após a Segunda
Guerra Mundial, em reação aos crimes contra a humanidade nela cometidos,
ocorreu um movimento de retorno às concepções humanitárias, que contribuiu para
a atualização da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e para
o respeito à dignidade da pessoa humana. Em decorrência desse movimento, foi
elaborada em 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujos
princípios liberais tiveram grande reflexo no Direito Penal, na segunda, metade
do século XX, destacando – se a abolição da penal capital em vários países,
entre eles a República Federal da Alemanha, a Itália e a França.
Os movimentos
humanitários pós – guerra trouxeram para o Direito Penal uma nova doutrina de
defesa social, outrora com sentido de defesa da sociedade contra indivíduos
perigosos, que deveriam ser segregados por período indeterminado, segundo o
positivismo criminológico, ou de proteção implacável da sociedade ou do povo,
em detrimento do indivíduo, como ocorreu no Direito Penal nacional –
socialista, na primeira metade do século XX.
As teorias da prevenção geral positiva
As teorias preventivas
dividem – se em especiais e gerais. As primeiras dirigem – se exclusivamente ao
delinquente, com o objetivo de que este não torne a transgredir, seja pela sua
reeducação ou socialização, seja pela sua segregação do meio social. As
segundas dirigem – se à coletividade de modo geral, com o intuito de impedir a
ocorrência de crimes futuros, seja pela intimidação, seja pela reafirmação do
direito perante a comunidade.
Dessas teorias,
surge a denominada teoria mista ou unificadora, com o objetivo de conciliar as
finalidades retributivas e preventivas da pena, diante da insuficiência de que
cada um possa surtir efeitos isoladamente. Nessa linha de raciocínio, o caráter
retributivo da pena, por exemplo, mão afasta a necessidade de segregação do
delinquente nem sua possível socialização. Além disso, permanece na pena sua
função preventiva, pela intimidação dirigida à coletividade.
As teorias socializadoras
Para a teoria
socializadora, a reintegração do condenado à comunidade pode ser alcançada por
meio de um programa mínimo, ou de um programa máximo. O primeiro contenta – se
com o prognóstico de que o delinquente não tornará a praticar crimes, ou seja,
de que guardará efetivo respeito às leis vigentes. Já o segundo, além de
postular as finalidades visadas no programa mínimo, objetiva uma verdadeira
transformação do indivíduo, mediante uma terapia com influência na
personalidade do infrator, que o leve a atingir socialização.
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